junho 29, 2004

- prosápia qualidade -

Quando o meu bem querer
me deseja,
pela minha futilidade..
Revigora-se o serzinho mundano
profano, descrente
blasfemo
e se torna nova qualidade.

Despojem-me das vestes
do rímel, do batom
do verniz
e eis perante vós
o objecto da invisibilidade.

junho 21, 2004


by Heiko Junge/EPA

junho 18, 2004

há tempos que me apetecia 'postar' este escrito, que dedico
à 'beleza interior das pedras' porque as portas da percepção
nem sempre se nos apresentam transparentes e límpidas para
ver as coisas como realmente são
.. e só poucos o conseguem. :)

- um conto da noite de um dia de Maio -
I parte


Uma brisa terna
traz-me o perfume
da urze molhada..
A Lua
(esta noite.. sarracena)
em jeito suave
envolve-a de prata.

Polaris feérica
lidera uma parada
de estrelas
que chispam de ciúme..

Fixo nela o meu olhar.

Estico a mão:

-“Está tão perto..
se quiser
posso tocar-lhe...”

Estendo-lhe o corpo:

-“Toma.
Desune as partes...
Faz de cada parte
um ponto brilhante
E põe, cada um
em seu lugar..

Faz-me parte de ti
para guiar o viajante
e com ele dançar
em noites de quarto crescente..”-

Fecho os olhos
E deixo o sonho levar-me..
- um conto da noite de um dia de Maio -
II parte


Num instante
apareces na minha frente..
Pergunto-te se queres, comigo, dançar..

de pés descalços
e mão na mão..

Comigo, girar, rodopiar,
e na cadência do passo
rebolar até.. no chão.

do ritmo cardíaco
fazer a música..
e com o riso..
a canção..

Em abraço fechado
de corpo solto
e pele nua
aquecer comigo
no calor de um conto do acaso
que os poemas escreveram
e os vidros.. ainda transpiram..

E em cada dia
evocar o sorriso do Roberto
- o menino de rua
de olhar maravilhado..-
como inspiração
para uma forma de amar
e viver, em poesia..
na poesia
de um dia perfeito
escrita, num sorriso aberto..

E pisar o chão
como se bailasse no céu..

E ver num sorriso teu..
essa mesma forma de amar.


junho 11, 2004

- Evgen Bavcar -

mirror of dreams


Hanna Schygulla

Every photo I take I have to have perfectly
organized in my head before shooting. I put the
camera at the height of my mouth and that's how
I photograph people I hear talking. The autofocus
helps, but I can manage without it. It's simple.
I measure the distance with my hands and the rest
is done by my internal desire for images. I know
there are always things that escape me, but that's
true of photographers who can physically see. My
images are fragile; I've never seen them, but I know
they exist, and some of them have touched me deeply.



Nude With Hands

junho 08, 2004

Submersos nas águas profundas dos pensamentos
acabamos por esquecer a vontade, de que nos apercebemos
quando uma pedra cai no charco e abala o nosso equilíbrio.
Mergulha-se fundo e mais fundo, para que a próxima pedra
abale só a superfície. Mais fundo e mais fundo,
até que deixamos de ser nós.

Eu não sei quem me perdeu
se tu, se eu.

Começo a não lembrar das palavras; talvez seja melhor esquecê-las até..
..Até ao dia em que regresse a vontade de acordar em mim o poeta.
O poeta que procura aquele sorriso solto, que aparece quando nos sentimos
livres e donos de nós.
Já foram mais de 3 anos parada num tempo que quer à força, ser dono
de mim.
Procuro-me de novo,
num tempo distante
e tento lá chegar.
Corpo marcado pelas inconstâncias sucessivas
Alma torturada pelas bocas amargas
profetas de palavras mal medidas..
Passo ante passo,
fixa naquele ponto lá ao fundo
que me faz andar
seguida pelo sonho
e o poder de acreditar.

junho 04, 2004

- a foe of sleep -

When sometime, in her weariness, upon her sphere
She might permit herself to shed a furtive tear,
A poet of great piety, a foe of sleep,

Catches in the hollow of his hand that tear,
An opal fragment, iridescent as a star;
Within his heart, far from the sun, it’s buried deep.*



vampire by E. Munch


* sorrows of the moon by C. Baudelaire

junho 03, 2004

- incêndio -

se conseguires entrar em casa
e alguém estiver em fogo na tua cama
e a sombra duma cidade surgir na cera do soalho
e do tecto cair uma chuva brilhante
contínua e miudinha – não te assustes.
São os teus antepassados
que por um momento
se levantaram da inércia dos séculos
e vêm visitar-te.
Diz-lhes que vives junto ao mar
onde zarpam navios carregados com medos
do fim do mundo – diz-lhes que se consumiu
a morada de uma vida inteira
e pede-lhes para murmurarem
uma última canção para os olhos
e adormece sem lágrimas – com eles no chão.


by Al Berto

junho 01, 2004

- the depths -

by Edward Burne-Jones