março 30, 2004

- unique forms of continuity in space -


by Umberto Boccioni, 1913

" Deus Nosso Senhor fez o Homem de Figurado.
Para melhor se ver e melhor entender.

Não sêmos de fôrma nem de sobras e afagados.
Sêmos o seu Santíssimo Figurado.

Assim, temos venta e feitio.
E temos ignorância.
E havemos temor e destemor.
E vergonha e desvergonha e sem vergonha.

Se eu rachar agora em duas,
passa meia hora e já não entendo a minha metade.

E figurar é pior.
É aceitar o mando do barro.
É aceitar e agradecer, meninas
É aceitar e agradecer.. "


by Rosa Ramalho, artesã, 1888 – 1977.

É aceitar e agradecer !?...

- ..nada.. nada.. nada.. nada.. -

Por estes dias, apenas sonho daqueles sonhos em que não se vê nada
e apenas sabemos que sonhámos.
Ou que acordamos e não lembramos de nada..
como se viajasse dentro de uma objectiva desfocada...

Nua, em frente ao espelho, aquela imagem não me diz nada.

Olho o corpo de cima, de lado, de frente, de trás, de baixo, do outro lado.. olho-o.
Olho-o como se fosse o do espelho, o meu.
Olho-o nos olhos. Conecto-me e procuro alcançar-lhe a alma. Entro no túnel óptico.. breu.
Meio aturdida pelos flashes de memória e das luzes psicadélicas que se cruzam na minha frente..
as figuras que me aparecem de repente misturam-se, ganham a forma umas das outras.
Criam-se monstros que avançam para mim a uma velocidade cada vez maior.
Corro depressa.
Corro mais depressa.
Mais flashes. Mais figuras..................
Ainda mais depressa......................................................................

Finalmente

um espaço vazio..


ausente de matéria ponderável



infinito

cheio de paz..


Sou um ponto brilhante, nesse fundo escuro.

Já não quero correr.
Quero ficar desse lado do espelho..
e não encarnar novamente o corpo com que não sinto nada..

mas que .. ouve.. prova.. toca.. cheira.. fala.


março 29, 2004

- Me, Myself & I, à procura do eu sozinho.. -

(com recurso a ornatos.. )

"Não vou procurar quem espero
se o que eu quero é navegar..
Pelo tamanho das ondas
conto não voltar.

Parto rumo à Primavera
quem no fundo se escondeu..
esqueço tudo o que eu sou capaz
hoje o mar, sou eu.

Esperam-me ondas que persistem
nunca param de bater..
esperam-me homens que desistem
antes de morrer.

Por querer mais do que a vida
sou a sombra do que eu sou..
e ao fim não toquei em nada
do que em mim tocou.

Eu vi, mas não agarrei
Eu vi, mas não agarrei..

Parto rumo à maravilha
rumo à dor que houver para vir..
se eu encontrar uma ilha
paro para sentir.

Dar sentido à viagem
para sentir que eu sou capaz..
se o meu corpo diz coragem
volto a partir em paz.

Eu vi, mas não agarrei..
Eu vi, mas não agarrei.."


capitão romance by Ornatos Violeta

março 24, 2004

- Me, Myself & I, em viagem.. -

Estou em viagem.
Percorro o caminho que em tempos
me conduziu a mim...

Me, Myself & I, fica para o outro lado. ..

Não sei bem onde foi a inversão de marcha
ou porque desisti de lá chegar.

Andei às voltas
perdi-me..
e a única saída que encontrei
foi para o outro lado.

março 22, 2004

- Me, Myself & I -


untitled by Charles Ray, 1973


Criei este espaço com o fundamento de me servir dele para despejar o que bem
entendesse, como fazem os utilizadores das estradas portuguesas, com as bermas..
se calhar deveria chamar-lhe 'Baldio'.. Mas 'Nude' pretende ser transparente.. 'nú'
de vestes e de matéria.. Essencial, mesmo que nem sempre faça sentido, para que
se possa ter uma verdadeira percepção das coisas. No fundo, é disso que se trata.
Mais um 'pseudopoeta' num país onde somos todos poetas, embora sem pretensões..
apenas exorcizar o que me passa pela cabeça e a desordem que a acompanha.

.. Não sei, às vezes as palavras escritas parecem ter mais verdade que as ditas..


março 19, 2004


individuals by Vik Muniz, 1998

março 18, 2004

- paz de mim -

chegam-me gritos de todos,
de todos os lados
almas penadas que perderam o curso das vidas
e se lamentam na minha cabeça.
"Estou a dormir, estou acordado
não faz diferença" (1)

os seus prantos desaguam
no mar dos meus silêncios..

"Quereis fazer o favor de vos calardes?" – peço.
"Os silvos ensurdecem-me
do som do abraço
que me dá a paz.." – desculpo-me.

(1)linha de Mutimati B.J., Eu e o Povo.

março 17, 2004

- states of mind: The Farewells -




- states of mind: Those Who Go -




- states of mind: Those Who Stay -


by Umberto Boccioni, 1911

março 15, 2004

- as bestas de Madrid -


Guernica - the anti-war statement, by Picasso

"Aqui viene el tren
Vestido de rojo e blanco
Rojo de sangre
Blanco de espanto

Aqui viene el tren
Vestido de muerte
Matando personas
Que non tienen suerte

Aqui viene el tren
Con bonbas en mochila
Privando muchachos
De sus curtas vidas

Aqui viene el tren
Por una pendiente
Quitando las vidas
De gente inocente

Aqui viene el tren
Cargado de maldad
Dejando a los niños
En pobre orfandad

Aqui viene el tren..."


by Francisco Javier Fernández, 13 anos (publicado em El Mundo)


março 12, 2004

- lealdade comigo mesma -

Enquanto sentir a vontade e houver
uma forma de dizer
que te amo..
usá-la-ei.
Mesmo que seja para escrever
na areia da praia
para o mar apagar.
A giz no asfalto
como Madonnari
para a chuva dissolver.
Ou gritar para o fundo de uma gruta
e o eco devolver
o meu grito..

Importa que foi escrito
Importa que foi dito
Importa que seja leal
comigo mesma
e não deixe que fique por dizer.

março 11, 2004

.. porque cada vez que há uma manifestação efusiva da precaridade da vida humana,
é dia de lembrar o "deus" das pequenas coisas..

"Hoje é o dia em que eu
celebro as coisas simples
uma é, ver-te sorrir
os dedos são a ponte
entre o vidro onde escrevo
e a pele do teu corpo. ..."


by C. Moisés/ J. Portela – Quinta do Bill "reunir aos meus amigos"

março 10, 2004

- The Kiss.. -


by Rodin, 1888-89
photo: E. & P. Hesmerg


- no meu poema * -

" Amo-te na rua quando passas
não pelo rosto
não pelas graças
que vão contigo quando passas.

Amo-te na rua um minuto apenas
amo o que paira
amo o que deixas
dançar na rua um minuto apenas.

Amo-te na rua de imaginar somente
roupa despida
vagarosamente
no meu poema de imaginar somente."


by Leite de Vasconcelos

* dos meus preferidos..

março 09, 2004

- o amor encontrou-te -

Quando as lágrimas
são as únicas que ocorrem
quando tu chamas..
estás completamente sozinho
e a saudade encontra-te
esmirrado por dentro..

.. e é aí que apetece ser outra pessoa.

.. Uma qualquer transeunte
que se cruzasse contigo
e seguisse..

Seguisse, como se não te reconhecesse..

Mediocrizada, por não te ter conhecido
despreocupada, por não te ter encontrado.

Uma qualquer igual que passasse..
Sem saber o amor, por quem havia passado.

março 08, 2004

(1+1)

A ilha que se afasta..
num mar de sal que seca ..
desidrata.

Escrevo as mensagens do que tenho para te dizer,
que fecho em garrafas
e atiro ao mar.

São tantas as coisas que me apetece dizer-te
que se atropelam umas às outras
e na hora de contar
olhar para ti faz-me esquecer..

se o mar escoasse por um momento
e a contracção do solo encurtasse a distância
eu poderia confortar-te..

março 05, 2004


Woman in the Sun by Edward Hopper

março 04, 2004

- neste tempo distante -

Passo pelo tempo
com os sentidos, a Razão..
Tudo em turbilhão.

Desenho esquadrias
invento melodias..

Num tempo..
que parece não andar.

Vou e venho
como papoila, em campo de trigo
que sonha seguir o vento
e presa está, no lugar.

Definha com o tempo que passa
e pede ao tempo para esperar..

(quer descobrir um abrigo)

E na pressa de alcançar
cedo, deseja ver erguido..
para então avançar.

(desconhece em que sentido)

Neste tempo distante..
É a vida que encontra o caminho.



Birth by Jackson Pollock, circa 1941

março 03, 2004

- a cor dos dias de sol -

De manhã, despedes-te de mim
para mais um dia
em corpos separados.

Com um beijo imaginado
desfazes-te num pó fino, cintilante
que se espalha pela casa
deixando o teu perfume..

nos livros, entre as rimas do poeta
na brisa fresca, que entra pela janela

e o brilho, na cor dos dias de sol
e dos campos de primavera.

Respiro-te na calmaria do campo aberto..

Absorvo-te do calor dos raios de luz
que me aquecem a pele fria..

Envolvo-me contigo
na dança de vida
que floresce, exuberante
quando o sol acorda para o dia..

março 01, 2004


Moonrise on an Empty Shore by Casper David Friedrich
- desejo de lealdade -

"..mantinham um pacto de lealdade
de que nunca tinham falado
não que quisessem desafiar um mundo de adultos
onde não cabiam
mas porque sentiam que entre eles havia uma força natural e bruta
algo como entre a Lua e as Marés
sentimento estranho e presente de que se tinham conhecido
há muito tempo atrás
era esse o seu segredo
o desejo de se irem revelando um ao outro
06. [HM] .. "

in Alentejo Ilustrado – suplemento integrante do
Diário do Alentejo n.º 1140 (II série) de 27 de Fevereiro de 2004.